sábado, 15 de maio de 2010

E por falar em ciência...no rádio!

Faz pouco tempo, ouvi na Rádio MEC um debate sobre rádio, do qual participou a radialista Taís Ladeira, da Empresa Brasil de Comunicação, responsável pelas rádios e tvs públicas brasileiras. Ela sabe muito, é uma radioapaixonada. Tenho orgulho de tê-la tido na equipe do projeto E por falar em ciência, que eu mencionei em artigo anterior, Ciência, rádio e TV. Ouvindo-a falar com a desenvoltura que lhe é peculiar, com clareza e objetividade sobre o tema que ela domina como poucos, senti vontade de falar novamente daquele projeto, resultado de um convênio assinado entre a Universidade Federal Fluminense e a Rádio MEC, que colocava o programa no ar. A produção, como eu já informei no artigo mencionado, era de alunos das turmas de Jornalismo Científico e de Radiojornalismo, matérias que eu lecionei, durante vários anos, no Departamento de Comunicação do IACS, da UFF .
No início, alguns alunos ficaram preocupados com uma nova realidade: a de produzir “pra valer”, um programa com informações científicas. Escrever, portanto, sobre ciência e tecnologia assustava um pouco. Mas, elaborar uma matéria científica não é muito diferente da produção de uma matéria política ou econômica. A jornalista Lacy Barca, responsável pela gestão do conhecimento da TV Brasil, lembrou certa vez que, do ponto de vista ético, exige-se do jornalista os mesmos cuidados de correção, fidelidade, imparcialidade. Pode-se escrever, radiodifundir, televisionar ou filmar qualquer informação científica em sua forma mais comum, com a mesma técnica usada para todas as notícias.
Com o passar do tempo, os alunos perceberam que além de informar sobre o que acontece no mundo da ciência e da tecnologia, o programa estava contribuindo para despertar vocações, estimulando a curiosidade de jovens, levando a eles algum conhecimento que pudesse contribuir para sua formação. Os alunos também se deram conta que, com seu trabalho, estavam ajudando a desmistificar a ciência e a figura do cientista, que muitas vezes tem sido sacralizada. Nesse aspecto, não encontraram muitas dificuldades, pois a imprensa escrita, havia anos, estava destinando espaço para a divulgação da ciência e tecnologia. Assim, muitos cientistas, antes um tanto avessos à divulgação de suas pesquisas, e desconfiados do trabalho profissional da imprensa, hoje veem nos jornalistas aliados na prestação de contas à sociedade.
A locução, a edição e a sonorização das matérias eram feitas no estúdio da Rádio MEC. O maior desafio foi elaborar um formato que garantisse, ao mesmo tempo, a comunicabilidade do programa, a clareza e a precisão das informações e o interesse e mobilização do público ouvinte. Como se tratava de um projeto acadêmico, veiculado em emissora oficial, sem qualquer compromisso comercial, foi possível experimentar novos formatos. Mas, sempre a partir de critérios previamente discutidos, muitas vezes com os próprios cientistas. Um exemplo foi o programa sobre Estudos do caos, do qual participou o professor Ildeu de Castro Moreira, professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e militante em defesa da popularização da ciência e da divulgação científica. Para viabilizarmos o programa, fizemos três reuniões com o professor, discutimos o roteiro, a abordagem e a própria trilha sonora.
Palavra e recursos sonoros são elementos que se complementam no rádio, e é neles que reside a força do veículo. Por não oferecer detalhes minuciosos, como a televisão, o rádio estimula o imaginário do ouvinte, levando-o a criar imagens por meio das descrições e dos relatos que ouve. Isso vale também para programas que divulgam ciência, independentemente de seu formato. No caso da série E por falar em ciência, um exemplo é o próprio programa Estudos do caos, em que era preciso levar o ouvinte a relacionar o caos e sistemas caóticos a algo que lhe fosse familiar. Assim, o professor Ildeu foi buscar na natureza uma explicação para comportamentos caóticos.
(...) talvez o exemplo mais claro do sistema caótico seja um rio turbulento. Se a gente joga, por exemplo, duas folhinhas num certo lugar desse rio, elas se separam de maneira muito rápida no tempo. Uma delas pode ficar presa no redemoinho, e a outra pode descer para o mar.Então esse é um exemplo de um sistema que tem esse tipo de comportamento. Um outro exemplo é a previsão do tempo: a atmosfera se comporta de maneira muito complicda. Por isso, é muito difícil prever se vai chover ou fazer sol no fim de semana. Qualquer pequena variação pode mudar o tempo significativamente depois de uma semana. Então, esses são dois exemplos de comportamento caótico na natureza.
Não contando com a imagem de um rio específico, cada ouvinte “viu”, ao ouvir a explicação do professor, um rio que lhe era familiar, e cada um, certamente, desenhou em sua mente um sol e uma chuva particulares.
Também ao explicar o que vem a ser o controle do caos, Ildeu levou ao ouvinte uma imagem por meio de sua descrição.
(...) seria, mais ou menos, como você equilibrar uma vara na ponta do dedo. Quer dizer, é muito difícil, porque é um sistema instável.Se você fica com o dedo parado, a vara cai, mas, se você mexe com o dedo adequadamente, você pode estabilizar a vara e fazer com que ela fique se comportando da maneira como você quer. Então, existe essa possibilidade interessante de se fazer o controle de sistemas caóticos.
Um exemplo bem concreto: o coração. O coração é um sistema que até pouco tempo, se imaginava que saudável era aquele que funcionava sempre com o mesmo ritmo, invariavelmente. Agora, nos últimos anos, as pessoas têm descoberto, a partir de estudo dessa ideia do caos, que um coração saudável tem também capacidade adaptativa, quer dize,r ele muda de ritmo de acordo com as emoções, com o clima, com a temperatura.Então, o coração saudável tem de ter a capacidade adaptativa. Ele tem de reagir a pequenas variações, a pequenos estímulos. E os sistemas caóticos são exatamente isso: são sistemas que dão uma grande resposta sob ação de um pequeno estímulo. Daí a ideia de biólogos e médicos aproveitarem isso no estudo do coração, por exemplo.
A limitação tecnológica exige que a mensagem radiofônica receba um tratamento que a torne inteligível. Para alcançar esse objetivo é preciso, pois, que se estabeleça uma relação de cumplicidade entre entrevistador e entrevistado. E isso vale também, ou, sobretudo, para programas de divulgação de ciência.
Não foi possível avaliar a audiência de nosso programa. A razão é simples: E por falar em ciência era transmitido pela Rádio MEC, mas não tinha uma produção na emissora. Isso inviabilizava um contato mais íntimo entre o ouvinte e os integrantes da equipe. Vez por outra tínhamos notícia de que alguém havia telefonado querendo falar com os responsáveis do programa. Além disso, o programa era gravado, o que impossibilitava a interatividade que propicia exatamente a participação dos ouvintes.
Quando, eventualmente, levávamos ao ar um tema sobre ciência e tecnologia na série Diálogos, que era ao vivo, mediado pelo professor Luiz Alberto Sanz e por mim, podíamos medir o interesse dos ouvintes pelos assuntos tratados em função das perguntas e dos comentários que chegavam pelo telefone. Isso mostra a importância da interatividade no rádio. É nesse momento que entrevistados e ouvintes estabelecem um diálogo. O rádio ao vivo deve ser o objetivo de todos aqueles que pretendem se dedicar à comunicação radiofônica, aproximando o ouvinte de seus interlocutores, transformando-os de objetos da comunicação em sujeitos.
O programa E por falar em ciência foi uma experiência muito importante. Primeiro, porque a universidade é o lugar da reflexão, da análise, da experimentação, da pesquisa. É nela que se forma a massa crítica, e não apenas técnicos especializados em redação jornalística, em tecnologias e equipamentos, ou meros anotadores de declarações e opiniões alheias. Em segundo lugar, porque, participando do projeto, muitos alunos se deram conta de que jornalismo científico não é uma atividade burocrática. Verificaram que, apesar do mercado de trabalho fechado nas editorias de ciência dos grandes jornais, aqueles que experimentaram o jornalismo científico na universidade podem perfeitamente atuar em assessorias de instituições científicas e de pesquisa, funcionando como repórteres, editores, redatores.

Perdendo a sintonia
E por falar em ciência começou com 10 minutos de duração. Pouco tempo depois, a direção da Rádio MEC propôs que fosse ampliado para 15 minutos. Par os alunos, tratava-se de um compromisso ao qual não podiam faltar. Mesmo nas férias, os bolsistas produziam um programa semanal. Falávamos com orgulho do nosso projeto
Mas, como fim das bolsas, começaram os problemas. Não contávamos mais com equipe fixa. Como não havia remuneração, os alunos não encarvam o projeto com seriedade. Talvez achassem que estavam participando de uma atividade do tipo "brincando de fazer rádio". Normalmente, a responsabilidademaior era assumida pelo monitor da cadeira de radiojornalismo, e foi graças aos monitores que conseguimos "levar o barco adiante". Mas, durante o período de férias, os alunos não se mostraram interessados em produzir programas. Recorremos, portanto, a reprises.
Chamo a atenção para esse fato poir ele ilustra como a produtividade está intimamente ligada à remuneração. Ou seja, a bolsa confere caráter profissional ao projeto. Responsablidade, compromisso com os ouvintes e a emissora que nos abriu espaço foram secundarizados. O projeto passou a ser visto pelos alunos como outra matéria qualquer, em que a nota por um trabalho de casa é suficiente. Eis aí uma questão sobre a qual professores e alunos devem refletir.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Lewi, um repórter fotográfico artista















O autor destas fotos é Lewi Moraes. Ele fez 60 anos de idade. Há 30 eu o conheço. Na época, ele era fotógrafo da Folha de São Paulo e eu, repórter da então TV Educativa do Rio de Janeiro. Ficamos amigos, daqueles que não se veem muito, mas que são leais na alegria e na tristeza..., o que, aliás, é muito mais verdadeiro nas grandes amizades do que em muitas promessas feitas em frente a um altar.
Em sua larga trajetória, Lewi fotografou políticos, jogadores de futebol, reis e rainhas, pilotos da Fórmula 1, pessoas simples, sem tetos, cientistas, paisagens, flores e animais silvestres.
Um dia, deixou o jornalismo diário e resolveu ser freelancer. Fez ensaios fotográficos, fotos publicitárias e fotos para divulgar a ciência, mas acabou optando por fotografar a natureza.
Uma vez fiz o seu perfil do qual reproduzo, aqui um trecho, porque é assim que eu vejo, até hoje, o meu amigo.
“Se fotografia é arte, Lewi Moraes é artista. Se fotografia é informação, Lewi é jornalista. Se a fotografia é arte na informação, ou informação com arte, então Lewi é um jornalista-artista.
A explicação é simples: Lewi domina, como poucos, a arte de parar o tempo e a técnica de reter, para sempre, a imagem de um instante.
É isso que ele tem feito nos últimos 30 anos, sempre com muita dedicação, prazer e sensibilidade. Assim é nas fotos jornalísticas, publicitárias ou nos ensaios fotográficos. Filho de seu tempo, Lewi sempre foi, e continua sendo, receptivo às inovações tecnológicas da sua área. Por isso, manuseia com a mesma desenvoltura a velha Nikon F2, que guarda como lembrança, e sua atual câmera eletrônica. Não rejeita o mais moderno equipamento digital, que dispensa o click que tantas vezes ouvi quando trabalhávamos juntos, nas ruas do Rio de Janeiro, registrando fatos dos mais corriqueiros aos mais importantes.
Jamais vou esquecer a foto da multidão que tomou conta do centro do Rio, no comício histórico pelas Diretas-Já, em 1984. Do alto, aquela gente reunida clamando por liberdade formava uma cruz, na esquina da Av. Presidente Vargas com a Av. Rio Branco. A foto de Lewi tornou a cruz visível, revelando todo o peso simbólico daquela manifestação. Foi primeira página da Folha de São Paulo, do dia 10 de abril de 1984.”
Faço agora um convite: visitem o site do Lewi. Lá estão os seus ensaios fotográficos.
http://www.lewimoraes.com/

segunda-feira, 10 de maio de 2010

A necessidade da boa comunicação

O relato a seguir é de uma época em que ainda não havia celular e adquirir telefone exigia paciência – o tempo de espera por uma linha podia chegar a dois anos.
“Volto quinta à noite”, dizia o telegrama do marido para a mulher que o aguardava ansiosa. Ele se encontrava a trabalho no interior de Minas; ela, na casa do casal, no Rio. Quinta à noite ela esperou horas a fio, mas o marido não voltou. “Será que houve algum problema com o carro perguntava a si mesma, já quase chegando às lágrimas? De tanto esperar acabou cochilando no sofá. Na manhã de sexta-feira, às nove horas, o marido chega sorridente. Espanta-se com o aspecto da mulher aflita. Conversa vai, conversa vem, e o equívoco foi esclarecido. O marido escreveu “volto quinta à noite”, querendo dizer que sairia de Minas na quinta à noite e não que chegaria quinta à noite.
Esse breve relato mostra como, muitas vezes, a comunicação é ineficiente apenas por causa de uma simples palavra. Assim é na vida privada, assim é na vida profissional. Por isso, a boa comunicação requer objetividade, clareza e bom manejo da língua.
Ser objetivo não significa ser simplório ou informar pela metade, mas usar as palavras certas para transmitir informação ou expressar uma ideia. Por isso, nunca é demais lembrar que, em geral, há uma palavra para definir uma situação.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Homenagem às mães


“Há homens que lutam um dia e são bons. Há outros que lutam um ano e são melhores. Há os que lutam muitos anos, e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida, esses são os imprescindíveis.” [Bertold Brecht]
Sugiro uma pequena mudança na frase de Bertold Brecht: que a palavra homens seja trocada por seres humanos.
Ficaria, então, assim:
Há seres humanos que lutam um dia e são bons. Há outros que lutam um ano e são melhores. Há os que lutam muitos anos, e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida, esses são imprescindíveis.
Dentre esses seres humanos há inúmeras mulheres, mães. A elas presto minha homenagem neste dia 09 de maio de 2010. Em especial à Justine (foto), hoje com 89 anos de idade, mulher batalhadora, minha querida mãe, imprescindível.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Ciência, rádio e TV



A mais útil das ciências será aquela cujo
fruto seja mais comunicável.
Leonardo da Vinci
Tratado de Pintura

Fatos jornalísticos relacionados a atividades científicas já encontram espaço no rádio e na TV. Temos vários exemplos: a reconstituição do crânio de Luzia, a brasileira pré-histórica; clonagem; a utilização de células tronco para fins terapêuticos; a discussão em torno dos transgênicos; a descoberta de uma nova estrela ou de um crânio de crocodilo que viveu no Brasil há 135 milhões de anos.
Nesse sentido, temos avançado bastante, embora ainda predominem na nossa imprensa assuntos internacionais ou aqueles considerados sensacionalistas, sempre valorizando o exótico ou o original. Nesses casos, o cientista geralmente é mostrado como uma criatura especial, ou é absolutamente esquecido.
Mas o público brasileiro ainda é escassamente informado sobre o mundo da ciência, desconhecendo as atividades de nossos pesquisadores e das instituições em que desenvolvem suas atividade. Esse público ignora o processo de construção do conhecimento, nos meios universitários e nas demais instituições de pesquisa. É aí que entra em cena a divulgação da ciência, que pode e deve ocupar espaço nobre no rádio, e na televisão, também. No Brasil, a mídia, em especial o rádio e a TV, assume importância na formação, não só de opinião, mas também de hábitos, costumes, comportamentos, a ponto de falarmos hoje na chamada sociedade midiática.
Como em nosso país a pobreza impossibilita, não apenas o acesso a bens materiais, mas também à cultura e ao saber, o rádio e a TV vêm se afirmando, cada vez mais, como instrumentos transmissores de informação. E, como a informação e a transmissão do conhecimento são partes de um processo educativo, defendemos o princípio de que jornalistas, radialistas, produtores de TV, pedagogos e professores devem se aliar em um projeto que contemple a formação continuada do cidadão. Só uma pessoa bem informada é capaz de exercer conscientemente a sua cidadania. Nesse sentido, é bom lembrar que rádio e televisão são concessões públicas e, assim sendo, devem assumir compromissos com a coisa pública. E, a informação, no seu sentido mais amplo, é parte desse compromisso. É bom lembrar, também, que o artigo 5o da Constituição Brasileira assegura a todos o acesso à informação. Num país como o nosso, em que predomina a pouca informação, que meios são mais adequados para levar informação a milhões de pessoas senão o rádio e a televisão? E, dentre ambos, o rádio ainda é o mais popular meio de comunicação e de maior alcance público. Atinge a todos, sem distinção de escolaridade, classe social ou condição econômica. Fala a todos individualmente, acompanha o ouvinte no carro, na cozinha, na sala, na praia ou no local de trabalho.

Televisão X rádio
A produção de programas de divulgação científica em televisão é cara. Requer tempo de preparação. Exige apuração cuidadosa da matéria, consultoria, maior apuro e rigor dos apoios visuais, ainda mais hoje em dia, com o público cada vez mais acostumado a ver recursos visuais sofisticados. Fazer um programa de divulgação científica sem utilizar recursos visuais e sonoros, limitado a uma conversa em estúdio, é até fácil. Mas não há público que aguente.
Difícil é criar e desenvolver formatos que sejam dinâmicos, leves, instigantes, que despertem a curiosidade do telespectador.
A produção de programas de divulgação científica em rádio é bem mais barata, porque dispensa a imagem. Mas o rádio trabalha com o imaginário das pessoas, para compensar a ausência dos recursos visuais. Mas, para que o ouvinte possa “visualizar” o que está sendo dito a ele, é preciso igualmente encontrar formatos que tornem o programa atraente. Afinal, o cérebro traduz sons e sentimentos. A linguagem radiofônica é, na sua essência, uma linguagem que fala aos sentimentos, aos sentidos: afetos, emoções, dor, ternura, esperança, angústia. Se um programa de rádio faz rir ou chorar, está num bom caminho. Se provoca fúria (não pela qualidade do programa, mas pelo conteúdo que está transmitindo) também vale. Mas se não move nem comove, se deixa o ouvido frio, não é radiofônico. Falar pelo rádio, é emocionar. Caso contrário, a mensagem não chega, não causa impacto.
Eu gostaria de propor um exercício, uma experiência. Assistam a um filme ou a um programa de televisão e tirem o seu volume. A fotografia pode ser boa, impactante, a atuação excelente. Mas a falta de som torna a transmissão fria. Mas, se fizermos ao contrário: vamos apagar a imagem e deixar apenas o som. Vamos ouvir os diálogos, a música, o ambiente. Mesmo sem a imagem a nossa recepção será muito mais emotiva. Essa é a força do rádio, sua grande característica. Além do mais, ele fala a cada um em particular, como um grande amigo. Foi a contribuição que o transistor trouxe. De veículo coletivizante, passou a veículo individualizante. Deixou a sala, onde falava para a família, e passou a falar a todos individualmente. Acompanha o ouvinte no carro, na cozinha, no quarto, na praia ou no local de trabalho. Atinge a todos sem distinção de escolaridade, classe social ou condição econômica. No Brasil, é sem dúvida o mais popular meio de comunicação e o de maior alcance público.

E por falar em ciência: uma experiência radiofônica
Em 1990, no Departamento de Comunicação da Universidade Federal Fluminense, propus aos meus alunos um projeto sistemático de produção de programas radiofônicos no âmbito do jornalismo científico. Eu dava aulas de jornalismo científico e rádiojornalismo. Juntei alunos das duas turmas e começamos a produzir programas. Durante dois anos, o trabalho foi fácil. Com a ajuda do então professor Luiz Alberto Sanz, conseguimos espaço na Rádio MEC, fruto de um convênio assinado entre a emissora e a UFF. Decisiva também foi a colaboração dos professores Antônio Serra e José Maurício Alvarez. Cinco dos nossos alunos receberam bolsa de iniciação científica da FAPERJ. Mas, todos que participavam, faziam pesquisa, apuração, produção, reportagem, redação e edição das matérias, além da sonorização, que sempre mereceu um tratamento bastante criterioso. Eu acompanhava e orientava todas as etapas.
Optamos pelo formato radiodocumentário, trabalhando com temas ligados aos mais diversos setores das ciências, desde a ciência da saúde até as ciências humanas, passando pela física, engenharia, química, biologia e tantas outras que têm contribuído para o desenvolvimento científico e tecnológico do país. A lista era imensa e prova que, ao contrário dos que querem desmantelar a universidade brasileira, acusando-a de inoperante e improdutiva, é dela que saem profissionais criativos e competentes, dignos do maior respeito e merecedores do reconhecimento internacional. Não queríamos apenas mostrar o que os cientistas fazem. Queríamos, também, mostrar que a ciência faz parte do nosso dia-a-dia e é uma aliada para solução de problemas de uma sociedade. Embora, seus resultados nem sempre possam trazer benefícios a todos.

O respeito às culturas regionais e locais
Num país de dimensões como o Brasil, com características regionais muito marcantes e variadas, a ciência tem, no rádio, um grande aliado. As emissoras locais e regionais encontram um vasto campo a ser explorado, principalmente nas áreas da saúde, da nutrição, da agricultura, do meio-ambiente. Nas universidades locais, os programas de pesquisa científica podem servir de pauta para programas de rádio. Além de contribuir para divulgar o que está sendo feito pelos nossos pesquisadores, esses programas estariam contribuindo para diminuir a distância cultural imposta à maioria da população brasileira, relegada à exclusão do saber por uma elite que se outorgou o direito de deter o saber.

O Estado e as rádios públicas
Embora a esmagadora maioria das emissoras de rádio seja explorada pela iniciativa privada, por concessão do Estado, há no Brasil, as chamadas emissoras públicas, como as rádios Nacional e MEC, no Rio de Janeiro. Não se trata de emissoras governamentais, nem estatais, embora estejam ligadas ao Estado, que não muda com a troca de governo e nem de regime; ao Estado que continua. Historicamente, também cabe ao Estado, no Brasil, o fomento da pesquisa científica, de maneira geral, e do desenvolvimento tecnológico em determinadas áreas, especialmente as consideradas estratégicas. Mas pouco tem sido feito no sentido de se utilizar essas e outras emissoras como aliadas na divulgação do conhecimento científico; não como veículos de propaganda, mas de divulgação de informações. A sociedade sendo a grande mantenedora desse sistema, por intermédio dos impostos que paga, deve ter o direito de conhecer os resultados de seus investimentos.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Rádio: um pouco de história da pioneira (2)


No ar, os revolucionários de 1930
No dia 30 de outubro Getúlio Vargas chega ao Rio para assumir o governo, depois da vitória do movimento revolucionário que derrubou a Velha República. Na Avenida Rio Branco, no centro do Rio, a população carioca via curiosa, os cavalos dos revolucionários gaúchos amarrados no obelisco. Vargas fecha o Congresso e passa a governar com base em decretos-leis. Dois anos depois, São Paulo se rebela contra o poder central e exige a constitucionalização do país. É deflagrada uma guerra civil que encontra no rádio um grande aliado. Radialistas, como César Ladeira, na Rádio Record e Celso Guimarães, na Rádio Cruzeiro do Sul, usam os microfones para incentivar a presença do povo nos comícios e atrair voluntários para a frente de combate. A ”guerra paulista” durou quase três meses. Terminou com a vitória dos governistas. Já em 1933, o governo provisório decidiu constitucionalizar o país, realizando, em maio, eleições para a Assembléia Nacional Constituinte, que promulgou a Constituição em 14 de julho de 1934. Foi a partir da chamada Revolução de 1930 que o rádio ganhou impulso, tendo-se desenvolvido com a ampliação das relações capitalistas, especialmente a publicidade, que passou a ser uma das grandes aliadas do processo produtivo manipulando os desejos inconscientes da população. Em março de 1932, Getúlio Vargas assinara um decreto autorizando a veiculação de propaganda comercial pelas rádios, abrindo caminho para patrocinadores, os anúncios e jingles, acirrando a concorrência entre as emissoras e a briga pela audiência. Por isso, disputavam também os talentos artísticos, que passaram a receber cachês. Com o fim da “guerra paulista”, os locutores revolucionários foram contratados por duas das mais importantes rádios do Rio: Celso Guimarães, pela Nacional e César Ladeira, pela Mayrink Veiga, onde passou a empregar processos inéditos na programação. Deu novas dimensões ao rádioteatro, criando o grande e o pequeno teatro, além de ter dedicado horários específicos aos artistas de seu elenco, e deu a cada um deles um adjetivo consagrador, como o de "Garota Notável", para Carmem Miranda. Despertou o gosto dos ouvintes para a crônica, o editorial e o comentário, além de ter dividido a programação como quem pagina um jornal, situando cada especialidade em horários pré-estabelecidos. A presença de César Ladeira foi tão marcante, que muitos locutores tentaram imitá-lo. Criou um estilo de linguagem, ao perceber que a voz humana era o suporte para a comunicação objetiva. Embora fossem utilizados vários recursos acústicos, dava ênfase a determinados detalhes, impostando a voz e recorrendo a uma série de criações. O radialista Saint-Clair Lopes contou que os que se aproximassem ao estilo de César Ladeira, sentiam-se profissionais realizados. Saint-Clair Lopes foi advogado, jornalista, locutor, radioator, redator e diretor de programas, além de professor de Radiojornalismo na PUC-RJ. Foi também diretor do Departamento Jurídico da Rádio Nacional, da Divisão de Assuntos Legais da ABERT (Associação Brasileira de Rádio e Televisão) e autor do livro Nas ondas do rádio. Anos mais tarde, César Ladeira integrou a equipe da Rádio Nacional, que, a partir de 1940, torna-se líder de audiência do rádio brasileiro. A essa altura, os aparelhos já haviam barateado o que permitiu ao rádio assumir o papel de mais importante veículo de comunicação da época.

A resistência da pioneira
Enquanto as emissoras, como a Mayrink Veiga e a Nacional disputavam patrocinadores, desde a década de 1930, Roquette-Pinto continuava não admitindo propaganda em sua emissora; nem comercial, nem política. A Rádio Sociedade insistia em se manter apenas com a contribuição dos “sócios”, não tendo recursos para modernizar seu equipamento e ampliar a potência para enfrentar a concorrência das emissoras comerciais. Para tentar salvar a Rádio Sociedade, Roquette-Pinto decidiu doar a emissora ao então Ministério da Educação e Saúde, mas com uma condição: a de que a rádio permanecesse fiel ao seu lema cultural e educativo, sem qualquer vinculação comercial, política ou religiosa. Já transcorria o ano de 1936. Mais uma vez, 7 de setembro passa a ser um dia importante para a radiodifusão brasileira. A data foi escolhida para a cerimônia oficial de doação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro ao Ministério. Nascia assim, a atual Rádio MEC. Beatriz Roquette-Pinto Bojunga sempre acompanhou os passos do pai Roquette Pinto. E, como não poderia deixar de ser, ela também estava a seu lado na solenidade de doação da emissora, com tudo o que ela tinha em matéria de móveis e máquinas. Numa entrevista que deu ao no 25 do jornal O Amigo Ouvinte, Beatriz disse que foi ela, juntamente com Carlos Drummond de Andrade e Abgar Renaudt, na época oficiais de gabinete do Ministro Capanema, quem pôs os selos nos móveis. Nesse mesmo dia, diz ela, o pai fez um discurso que terminava assim: “Entrego esta Rádio, com a mesma emoção com que se casa uma filha”. “Depois disso”, lembra Beatriz, “ele veio chorar comigo num corredorzinho que tinha na Rua da Carioca”. A exemplo de Roquette-Pinto, Beatriz também tinha a convicção de que o rádio seria o instrumento capaz de tirar o país da penúria cultural que vivia. Acreditava e agia, tal como seu pai. Aliás, crer e agir foi, na opinião de Beatriz, a grande herança deixada por seu pai. Já aos 20 anos ela produzia e apresentava, na Rádio MEC, um programa infantil, que, de certa forma, abriu caminho para o gênero em outras emissoras de rádio, como o Tapete mágico, de Ilka Labarte, na Nacional, ou A hora do guri, da Rádio Tupi. Depois da morte de Roquette-Pinto, em 1954, Beatriz agiu feito guerreira, quando uma lei determinou que a rádio passaria para o Senado e a Câmara. Obstinada, sem medir esforços, a filha de Roquete Pinto foi à luta e conseguiu um Mandato de Segurança que manteve a rádio vinculada ao Ministério da Educação. Hoje, a emissora faz parte da Empresa Brasileira de Comunicação, criada para implantar e gerir os canais públicos de televisão e de rádio. Além da Rádio MEC, outras sete emissoras de rádio fazem parte da EBC e três canais de televisão (TV Brasil, TV Brasil, Canal Integración e NBR). Ela também é responsável pela produção da Voz do Brasil, além de prestar outros serviços.

Abrindo parênteses
Nos anos 40 Getúlio Vargas já havia se consolidado no poder, depois do Golpe de 1937, quando outorgou a Constituição. Um detalhe importante: na noite do dia 10 de novembro de 1937, Getúlio Vargas anunciou, pelo rádio, a Constituição de 1937, que instituiu o Estado Novo, escrita pelo político mineiro Francisco Campos. Na época, o rádio já se firmara como veículo a ocupar lugar hegemônico, especialmente a Rádio Nacional, que foi preparada para esta hegemonia. Fundada em 12 de setembro de 1936, a Nacional acabou tornando-se um marco do rádio brasileiro. Pertencia à empresa A Noite, mas em 1940 o governo a encampou para ser um instrumento de afirmação do regime. A PRE-8 passou então às Empresas Incorporadas à União. Hoje, a emissora é também vinculada à Empresa Brasileira de Comunicação. No plano interno, a fundação da Rádio Nacional coincide com o esgotamento da fase pioneira do rádio, em que se pretendeu usá-lo como instrumento para educar o povo, no sentido escolar da palavra. Esse, pelo menos, era o sonho de Roquette-Pinto, que acreditava poder acabar com o analfabetismo no país (é dele a frase: “o cinema e o rádio no Brasil serão a escola dos que não tiveram escola”). No plano internacional, a Rádio Nacional, que logo se transformou num instrumento do Estado Novo, surgia quando o nazismo utilizava o rádio como principal veículo de propaganda e controle social. Isto não significa que o rádio do Estado Novo, no Brasil, buscou no rádio alemão da época um modelo de programação. O modelo, especialmente da Rádio Nacional, estava mais para o norte-americano. Quem assistiu ao filme A Era do Rádio, de Woody Allen, pode avaliar o que foi a programação da Rádio Nacional. O radialista Lourival Marques, ex-diretor da Rádio Nacional, disse-me que diversos programas da emissora foram inspirados (para não dizer copiados) em rádios americanas (exceção feita às novelas, que eram de origem cubana). A ligação do rádio da época ao rádio norte-americano talvez encontre uma explicação na vitoriosa manipulação política da ideologia do pan-americanismo, no âmbito da política da boa vizinhança que teve por conseqüência a intensificação das relações culturais entre os EUA e o Brasil. O que importa, no caso, é que não foi difícil para a Rádio Nacional, com sua ideologia populista, ajustar-se ao discurso do poder. Aliás, a ideologia populista predominava, de maneira geral, no rádio da época. Essa manipulação traduzia-se na criação do Zé Carioca, por Walt Disney, em seu filme Alô, amigos e no incentivo à carreira de Carmen Miranda e do Bando da Lua, em Hollywood. Ari Barroso é contratado para escrever música para o cinema e Orson Welles vem ao Rio para rodar o sonho brasileiro no inacabado filme It!s all true. Em troca, o rádio brasileiro passa a assimilar técnicas norte-americanas. Primeiro, na linguagem publicitária e na comercialização de programas, Depois, no noticiário radiofônico, com o surgimento, na Rádio Nacional, do Repórter Esso. A primeira transmissão data de agosto de 1941. O rádiojornal, patrocinado pela Standard Oil, era produzido pela McCann-Erickson e tinha como fonte de notícias a United Press International (UPI). Transmitir os feitos dos aliados no conflito mundial, possivelmente, era uma forma de justificar a entrada do Brasil na guerra. A Rádio Nacional, sem dúvida, foi a maior experiência radiofônica já feita no Brasil. Ocupou lugar equivalente ao da TV Globo de hoje, com uma diferença. A TV Globo de hoje é acima de tudo um instrumento ideológico “classemedista”, com tudo que isto pode representar: urbanização, modernização, tecnocracia, cosmopolitismo; projeto de exclusão dos que vivem à margem do processo produtivo. Já o projeto da Rádio Nacional era de inclusão, que pode, por hipótese, ser explicado pelo conceito de integração nacional pretendida pelo Estado Novo, no qual se pode identificar a busca de uma “identidade nacional”. Nesse espírito, os trabalhadores recém-incorporados ao meio urbano eram tema, por exemplo, da série Tancredo e Tancrado. Nesse caso, o chiste inocente pode ser entendido como uma forma de aceitação do próximo, conforme aponta Freud. A estratégia de minimizar as contradições, não só de classes e entre regiões, mas também entre jovens e velhos, atendia eficazmente ao populismo. Estimulava a “consciência inclusiva”, sem deixar de atender ao consumismo, que a difusão da economia de mercado estimulava. Uma questão importante, no entanto, dever ser considerada quando se fala do rádio no Estado Novo: a censura, que implica instituir normas de controle social. No Brasil, a instituição dessas normas data de 1930, embora a censura tenha sido mais rigorosa no período de 1937 a 1945. Era exercida pela Seção de Rádio do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), criado em 1939, responsável também pela produção de A hora do Brasil, programa que ia ao ar em cadeia nacional, com transmissão obrigatória, já antes de 1937, mas que foi ampliado para duas horas de duração. Essa prática mostra a consciência que o Estado tinha da importância do rádio. Mas, apesar de a Rádio Nacional pertencer à União, não se tem notícias de que o governo de Vargas fizesse explicitamente uso regular da Rádio Nacional para fins de propaganda. Sempre usou transmissões em cadeia para todo país. Até por isso, pode-se concluir que a Rádio Nacional não era uma rádio de Governo, mas de Estado. Tanto que ela não saiu do ar com a queda de Getúlio Vargas. Nem A hora do Brasil . Seu nome foi mudado para A voz do Brasil passando a ter uma hora de duração. O caso da Rádio Nacional e da Voz do Brasil, está ligado à questão da durabilidade do Estado. Do Estado que não muda com a mudança de governo e nem de regime. Do Estado que continua.

De volta à pioneira
A Rádio MEC também não escapou da censura imposta pelo DIP. Nenhuma emissora foi poupada. Todas, sem exceção, tinham seus programas controlados pelo órgão. A censura era, inclusive, justificada pelos intelectuais do poder e tinha seu movimento divulgado pela Revista de Cultura Política. Só em janeiro de 1943, por exemplo, foram censurados 1312 programas radiofônicos. Em fevereiro do mesmo ano, foram censurados, pela Seção de Rádio do DIP, um total de 1.246 programas. Chegou a proibir a execução de músicas de Tschaikowski, Stravisnki e outros compositores russos, porque “russo era comunista e comunista, não pode”. Assim foi durante o Estado Novo e assim voltou a ser depois do Golpe de 1964, que derrubou o governo de João Goulart e impôs a ditadura militar que durou até o final do governo de João Figueiredo (1985). Com a ditadura vieram as punições extralegais, como cassações, demissões e expulsões. Uma das atingidas pelo arbítrio foi a ex-diretora da Rádio MEC, Maria Yedda Linhares, catedrática de História Moderna e Contemporânea da Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro, da qual é hoje professora emérita. Sua sala foi tomada de assalto pelo também professor de história Eremildo Luiz Viana, na época, diretor da Faculdade Nacional de Filosofia. Esse fato foi amplamente noticiado e comentado por grandes jornalistas como Carlos Heitor Cony, Mocyr Werneck de Castro, Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta. Denunciada por Eremildo Vianna, foi cassada pelo AI-5, sem acusações formais, apenas por acreditar que seria possível acabar com as oligarquias e pôr em prática as reformas necessárias capazes de dar acesso à terra, ao trabalho, à educação e à cultura. Seus ideais e sua breve passagem, de nove meses, pela Rádio MEC, renderam-lhe oito inquéritos policiais militares, três prisões, aposentadoria pelo AI-5 e exílio de seis anos, na França. Lá, o governo francês a nomeou professora titular visitante (professeus associé).
Uma vez, líder de audiência
1963 marca a volta do presidencialismo ao País, após breve fase de regime parlamentarista, instituído por Emenda Constitucional aprovada pelo Congresso em novembro de 1961, como fórmula de garantir a posse do vice-presidente João Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros. 1963 assiste, também, a diversas manifestações de protesto e a sucessivas greves de diferentes categorias profissionais. Em novembro daquele ano, radialistas e profissionais de televisão do Rio cruzaram os braços. No dia 22, quando o presidente norte-americano John Kennedy foi assassinado em Dallas, no Texas, apenas a Rádio MEC estava no ar e pôde comprovar a eficiência de sua equipe. Ligados apenas a um terminal de teletipo da France Press, os jornalistas da rádio MEC transmitiram ao longo de 24 horas consecutivas informações e comentários, seguindo um novo estilo de jornalismo, mais didático, despojado de jargões, explicativo e, de fato, informativo. A receita era simples: notícias claras, bem apuradas e bem redigidas. Já não havia mais espaço para um noticiário que se limitava a repetir os outros ou a ler telegramas de agências de notícias. Naquele dia 22 de novembro de 1963, a Rádio MEC conquistou 100% de audiência, episódio que a professora Maria Yedda Linhares, na época diretora da rádio, guarda na memória com orgulho. O episódio é um exemplo de como determinação e dedicação podem suprir a falta de recursos materiais.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Rádio: um pouco de história da pioneira (1)


Você pode ouvir rádio em casa, no trabalho, no carro, almoçando, jantando, tomando banho, andando a pé, indo ao banheiro, estudando, praticando esporte, fazendo amor.
Será que você pode ver TV em todos esses momentos? Será que você pode ler jornal em todos esses momentos?
Argumento publicitário da Rede Riograndense de Emissoras, em 1976.


Em 1922 o País assistia à Semana de Arte Moderna, à Revolta dos Tenentes e à fundação do Partido Comunista. Eram sintomas de anseio de mudanças no Brasil, que, na época, ainda se encontrava sob o regime da Velha República oligárquica. Os brasileiros viviam então (de 1922 a 1926) sob estado de sítio imposto por Artur Bernardes, tentando evitar a formação de uma nova oposição.
As indústrias brasileiras prosperavam. A explicação está na Primeira Guerra Mundial que nos impediu importar artigos manufaturados. Assim, o Brasil passou a produzi-los, criando novas indústrias e aumentando a capacidade de produção das já existentes. Com o crescimento industrial veio o crescimento do operariado e de suas reivindicações salariais, redução da jornada de trabalho e assistência social. O grande número de imigrantes europeus entre os operários permitiu a rápida organização de partidos políticos operários, de inspiração anarquista, socialista e comunista.
Na época, o Rio de Janeiro, então capital da República, tinha cerca de um milhão de habitantes. A cidade se expandia tanto para a zona sul como para os subúrbios. O centro, desde as reformas do início do século, deixava de ser área de ocupação popular. Os cortiços davam lugar ao comércio e à pequena indústria. O centro começava a ser cortado por enormes avenidas, a exemplo da Avenida Central, hoje Rio Branco. A Rua do Ouvidor, que continuava estreita como antes, era a grande atração para as elites que, nas lojas e livrarias chiques, adquiriam as últimas novidades. Pelas ruas do Rio já circulavam automóveis, que dividiam as vias públicas com os bondes. O velho morro do Castelo foi parcialmente posto abaixo. A justificativa do desmonte foi a necessidade de saneamento da cidade. Sanitaristas argumentavam que o morro impedia a ventilação e era responsável por enchentes no Centro. Em seu lugar deveria surgir uma planície civilizada.
Foi essa planície que serviu de cenário à primeira grande exposição internacional do pós-guerra em comemoração ao Centenário da nossa Independência. O Brasil mostraria ao mundo um novo país e o mundo mostraria ao Brasil as últimas novidades no campo do desenvolvimento técnico.
No pavilhão dos Estados Unidos, a Westinghouse, a Western Electric Company e a Rio de Janeiro and São Paulo Telephone Company instalaram duas estações de 500 watts, com transmissores montados no alto do Corcovado e na Praia Vermelha. Era o rádio se apresentando no Brasil. Sua primeira transmissão foi o discurso do presidente Epitácio Pessoa inaugurando a exposição tendo a seu lado, o Rei Alberto da Bélgica. Para a ocasião, 80 receptores haviam sido especialmente importados para que uma parcela da elite carioca pudesse ouvir em casa o discurso. No local da exposição, foram instalados alguns alto-falantes, com o mesmo fim. A transmissão também pode ser ouvida em Niterói, Petrópolis e São Paulo. Naquela mesma noite, os visitantes da exposição tiveram uma surpresa: ouviram a ópera O guarany, de Carlos Gomes, que estava sendo encenada no Teatro Municipal. Apesar do grande impacto dessa demonstração pública, as transmissões foram encerradas alguns dias depois. Detalhes dessa primeira experiência radiofônica no Brasil estão no livro Bastidores do rádio, de Renato Murce, que durante mais de 50 anos atuou no rádio brasileiro. Ele estava lá na exposição, assistindo a tudo naquele 7 de setembro de 1922.
A Westinghouse acabou desmontando a estação do Corcovado. A Western manteve a sua na Praia Vermelha, esperando que o governo brasileiro fosse comprá-la. E comprou; só que a entregou aos Correios onde passou a ser operada como telégrafo.
Um ano depois...
20 de abril de 1923. Na sala de física da Escola Politécnia, no Largo São Francisco, onde hoje funciona o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em plena reunião da Academia Brasileira de Ciências, o antropólogo e educador Edgar Roquette-Pinto, Henrique Morize e vários membros da Academia fundaram a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, emissora de cunho educativo, “com fins científicos e sociais”, como queria o seu fundador. A primeira transmissão da emissora, ainda experimental, se realizou a 1o de maio, com equipamento emprestado da Praia Vermelha. Roquette-Pinto disse na ocasião: “a partir de agora, todos os lares espalhados pelo imenso território do Brasil receberão livremente o conforto moral da ciência e da arte pelo milagre das ondas misteriosas que transportam, silenciosamente, no espaço, as harmonias”. Mas ainda havia um obstáculo a ser enfrentado: a lei que proibia a atividade radiofônica. Ela fora promulgada ao final da Primeira Grande Guerra, porque se temia que pelas ondas do rádio os segredos militares brasileiros poderiam ser levados para as potências estrangeiras.
Na época, a prática do radioamadorismo já existia no País, mas quem quisesse possuir um receptor em casa, precisava de uma autorização especial dos Correios e Telégrafos. Quem ouvisse aparelhos desautorizados corria o risco de ser preso. Com muita habilidade, Roquette-Pinto tinha indicado para presidente de honra da Rádio Sociedade o próprio ministro da Viação e Obras Públicas, Francisco Sá. Rendendo-se às pressões dos acadêmicos e ao argumento de Roquette de que o rádio no Brasil serviria para difundir educação, Francisco Sá revogou a lei no dia 11 de maio. Estava aberto o caminho para o livre exercício da radiodifusão. No dia 19, a Rádio Sociedade mais uma vez entrou no ar com o equipamento emprestado dos Correios. A transmissão teve início com a leitura, por Edgard Sussekind de Mendonça, do soneto O raio, de autoria de Roquette-Pinto. Em artigo publicado na revista especial dos 60 anos da Rádio MEC, intitulado O homem multidão, o escritor Ruy Castro, lembra que se trata de um soneto simbólico: o raio viaja pelo espaço e vai cair sabe-se onde – como o rádio. Depois, Heloisa Alberto Torres, leu um conto infantil de Monteiro Lobato e, em seguida Francisco Venâncio Filho leu uma página de Os sertões.
Entusiasmado com o resultado da novidade que ajudara a fundar, M.B. Astrada, um dos sócios da Rádio Sociedade, doou um equipamento para dar continuidade às atividades da emissora. Era uma estação pequena de 10 watts, com alcance restrito ao centro da cidade e arredores.
Três meses depois, o governo federal autorizou, oficialmente, o início das transmissões radiofônicas no Brasil, desde que “para fins educativos”. A Rádio Sociedade recebeu permissão para fazer uma hipoteca do material emissor no Banco do Brasil para instalar a antena e cobrir as primeiras despesas. Com isso, adquiriu uma estação de um quilowatt, fornecida pela Marconi, que permitia ultrapassar os limites do então Distrito Federal.

Cientistas: os primeiros radialistas brasileiros
Oficialmente, a Rádio Sociedade entrou no ar no dia 7 de setembro de 1923, um ano depois da inauguração da Exposição Centenária. Começou funcionando no pavilhão doado pela Tchecoslováquia, na Rua Santa Luzia, em frente à Santa Casa de Misericórdia, mudando em 1925 para a Rua da Carioca, 45. Sua programação, a princípio era uma extensão da Academia Brasileira de Ciências, Os acadêmicos produziam, escreviam e apresentavam os programas. Assim, pode-se dizer que os cientistas foram os primeiros radialistas brasileiros, ainda que amadores. Roquette-Pinto, por exemplo, apresentava o Jornal da Manhã. Lia e comentava notícias que ele selecionava nos jornais. Outros tocavam discos de suas coleções particulares. Falavam dos compositores, músicos e cantores. Havia também os que usavam o microfone para dar palestras e cursos, de acordo com suas especialidades. A Rádio Sociedade do Rio de Janeiro atendia, assim, aos anseios daquele pequeno grupo de cientistas, que fundou a Academia e que defendia a difusão ampla da ciência no Brasil, como relata a jornalista Luisa Massarani, em sua dissertação de Mestrado, defendida no IBICT-ECO/UFRJ, no Rio de Janeiro, em janeiro de 1998, intitulada A divulgação científica no Rio de Janeiro: algumas reflexões sobre a década de 20. Por ser capital da República, o Rio de Janeiro recebia inúmeras personalidades das áreas cultural e científica, que incluíam em seus programas uma visita às instalações da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Na lista dos visitantes ilustres da emissora, figura Albert Einstein, que, em 1925, esteve no Rio.
Não demorou muito para que novas rádios surgissem em todo o país. Só no Rio de Janeiro, destacam-se, entre as mais importantes: Mayrink Veiga, Guanabara, Jornal do Brasil, Tupi e Nacional.

terça-feira, 23 de março de 2010

Páscoa

Faltam poucos dias para a celebração da páscoa e, de repente, me vem à memória o dia 6 de abril de 1998. Eu trabalhava na Multirio como repórter, roteirista e editora do programa Cidade e Educação. Em pauta, Páscoa: símbolo da renovação. No estúdio, a apresentadora Vera Barroso, sempre muito competente e charmosa, tinha como convidados o professor Francisco José Silva Gomes, doutor em História Medieval e da Igreja, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a Dra. Maria Clara Lucchetti Bingemer, professora de teologia da PUC do Rio de Janeiro e o rabino Nilton Bonder, da sinagoga da Barra da Tijuca, também no Rio de Janeiro.
Mais do que um programa de televisão, aquele bate-papo diante das câmeras revelou-se uma aula de cultura religiosa ou um encontro de religiões.
Certamente, em meio à correria dos consumidores, preocupados em comprar ovos e coelhinhos de chocolate para familiares e amigos, poucos se lembrariam do verdadeiro significado da páscoa. Assistindo àquele programa, quanta informação os telespectadores estavam recebendo a respeito de culturas diferentes e, no entanto, tão próximas, uma – a cristã – sendo herdeira da outra – a judaica. Naquele programa, talvez, muitas pessoas tenham sido lembradas de que
tanto para os cristãos quanto para os judeus, páscoa significa renascimento.
No cristianismo, o renascimento se dá com a ressurreição de Cristo, significando o novo, a vida e a libertação.
No judaismo, a páscoa comemora uma libertação em particular: a saída do povo judeu do Egito, atravessando o Mar Vermelho e deixando para trás 210 anos de escravidão. Até hoje, na cultura judaica, essa libertação é comemorada com o pessach, que significa passagem.
Para os cristão, a páscoa também celebra uma passagem: a de Cristo, pela morte, atingindo a vida que nunca morre.
A páscoa judaica e a páscoa cristã se realizam em datas próximas. Algumas vezes, são até coincidentes e a razão é simples: a última ceia de Jesus Cristo com os apóstolos, na quinta-feira, foi exatamente a ceia em comemoração ao pessach.
Tanto no judaismo, quanto no cristianismo, a páscoa é uma festa móvel. A páscoa judaica é comemorada durante oito dias e ocorre sempre na primeira noite de lua cheia da primavera no hemisfério norte.
Já os cristãos comemoram a páscoa no primeiro domingo após a primeira noite de lua cheia da primavera no hemisfério norte.
Enquanto o pessach faz parte da cultura judaica há 3.412 anos, a data que comemora a páscoa cristã foi fixada durante o Concílio de Nicéa, no ano 325 d.C., no reinado do imperador romano Constantino I, o primeiro a aderir ao cristianismo.
A páscoa cristã também incorporou símbolos de uma festa pagã comemorada na Europa: o festival de Ostera, em comemoração à passagem do inverno para a primavera, na esperança de boa colheita depois do rigoroso inverno europeu que dificultava a produção de alimentos.
Ostera, em alemão arcaico (Ostern em alemão atual) é a deusa da primavera dos anglo-saxãos(Easter, em inglês). Seu nome quer dizer Páscoa. Ela é representada segurando um ovo na mão direita e observando um coelho, símbolo da fertilidade, pulando ao seu redor. Ostera e o ovo que carrega são símbolos da chegada de uma nova vida, da renovação periódica da natureza e, por isso mesmo, também indicam potência, fertilidade e geração. Durante os festejos de Ostera, os ovos eram pintados com símbolos mágicos, enterrados ou lançados ao fogo como oferta aos deuses. É o ovo cósmico da vida, a fertilidade da mãe Terra.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Os herdeiros da terra

Acabo de ler Um certo verão na Sicília, de Marlene de Blasi, com tradução de Paulo Afonso (como são importantes os tradutores para o sucesso de uma obra), editado, em 2009, pela Objetiva.
Trata-se de um relato sobre o amor e uma comunidade nas montanhas sicilianas, que, ainda no século XXI, mantém tradições muito antigas.
A leitura desse livro lembrou-me a comunidade de Furnas dos Dionísios, ao pé da Serra de Maracaju, no município de Jaraguari, a 45 km de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul.
Foi em 1996, quando, a convite de Maria Gessy (excelente roteirista), então trabalhando da TV Educativa do Mato Grosso do Sul, ministrei um curso de roteiros para TV. O trabalho final dos alunos foi a reportagem Herdeiros da terra, sobre aquela comunidade. Foi ao ar na própria emissora.
Como professora da turma, acompanhei os alunos até Furnas dos Dionísios, fundada, segundo alguns registros, em 1901 e, segundo outros, em 1890, por Dionísio Antonio Vieira. Tem 900 hectares e abrigava, em 1996, 250 descendentes de seu fundador. Atualmente, vivem ali 92 famílias. Posto de saúde, energia elétrica e telefone só chegaram lá em 1991. O ensino básico passou a ser regular em 1983. É com orgulho que a população comemora o fim do analfabetismo em Furnas dos Dionísios.
O neto de Dionísio, Sebastião Abadio Martins, contou que seu avô, que dava muito duro em Minas Gerais, saiu de lá com sua família e se instalou na região cheia de morros, com terra fértil e água em abundância. A viagem, segundo relatou Sebastião, durou dois meses e foi feita em um burrinho, “animal pequeno, mas muito forte”, disse ele. Não se sabe ao certo com que idade Dionísio chegou nem com que idade morreu.
Com os herdeiros da terra, surgiram várias comunidades, como a dos Abadios e São Benedito. Todas são formadas, predominantemente, por negros. Muitos consideram os herdeiros de Dionísio uma comunidade quilombola. Mas, durante nossa visita, os próprios herdeiros nos disseram que não são quilombolas porque Dionísio não veio fugido e porque a escravidão já havia sido abolida quando o velho patriarca deixou Minas Gerais.
Por várias décadas, a comunidade permaneceu isolada, por ser uma área de difícil acesso. E foi o isolamento que a ajudou a preservar valores sociais e culturais.
Em Furnas dos Dionisios, a união faz a força. O sustento vem do cultivo da terra (mandioca, cana-de-açúcar e derivados) e da criação de animais. O excedente é vendido nos municípios vizinhos por meio de uma associação de pequenos produtores locais. Há também uma horta comunitária.
Homens, mulheres e crianças também se unem para organizar seu lazer, muito fiel, ainda, a antigas tradições, como a dança da catira, a prática de rezas e a realização de quermesses. Durante anos, predominou a religião católica, com missa, batizado, casamento, primeira comunhão e procissão. Nos anos de 1990, grupos de evangélicos foram chegando. Não há rivalidade entre eles e sim, respeito aos dogmas e às doutrinas de cada religião.
Quando chegamos, era tempo de festas juninas. Ana Batista Silva, a matriarca do local, muito hospitaleira, também neta de Antonio Dionísio (faleceu em janeiro de 2010 aos 101 anos de idade), nos contou, na época, que as festas juninas são tradição antiga, especialmente a de Santo Antônio, padroeiro do local. A devoção ao santo foi trazida por Dionísio e foi aumentando depois que uma roça de arroz foi invadida por gafanhotos. Sebastião conta que seu pai vendo aquilo, gritou: “Oh, meu Santo Antônio, tira esses bichos da minha roça”. A bicharada, segundo Sebastião, levantou vôo e, como que por um encanto, sumiu.
O espírito de cooperação também se manifesta no preparo do salão de festa e das comidas para as comemorações de Santo Antônio. As mulheres e as meninas se reúnem ao redor do fogão de lenha. Cantam, conversam, enquanto enchem o tacho de arroz com carne-seca, frango, porco milho e mandioca. No fogão de barro, galinhas recheadas e leitões – tudo bem assado – dão água na boca.
Uma procissão segue em cantoria até a igreja em que o padre reza a missa. Seu ponto alto é o ofertório afro com as crianças levando frutas, flores e grãos para o altar. É hora de acender a fogueira e dar vivas a Santo Antonio.
É fim de festa. Furna dos Dionísios vai dormir feliz.

terça-feira, 16 de março de 2010

Primeiras palavras

Certa vez ouvi do jornalista Juvenal Portela a seguinte frase: “todo repórter é jornalista, mas nem todo jornalista é repórter”. Desde então, passei a usá-la como se fosse minha, tanto nas redações de rádio e televisão em que trabalhei como repórter, redatora e editora, quanto nas aulas que ministrei durante 30 anos no curso de Jornalismo, do Instituto de Arte e Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense. Afinal, o (a) repórter acompanha o pulsar dos acontecimentos, no momento da ação. É “testemunha ocular da história”, como dizia o slogan do velho Repórter Esso. É ele (a) quem vivencia e descreve o cotidiano dos que são notícia, não importa a que categoria social seus personagens pertencem. É ele (a), que na neutralidade que lhe é exigida, expõe sua parcialidade na seleção das palavras escritas, na ênfase das frases ditas, na expressão de seu olhar.
Foi como repórter que conheci o Brasil de norte a sul, especialmente depois que passei a atuar no jornalismo científico. Em minhas andanças, constatei que o Brasil não se resume ao eixo Rio-São Paulo, com variantes para Belo Horizonte e Brasília. Conheci diferentes brasis e brasileiros que ainda hoje me fazem acreditar que é possível viver a utopia de uma sociedade melhor. Eles pouco ocupam os espaços dos jornais, das televisões e dos noticiários radiofônicos. São pessoas que fogem a padrões sensacionalistas na maneira de viver e de se comportar. Acreditam que a dignidade do ser humano está no trabalho honesto, seja ele simples e rudimentar, ou complexo e sofisticado.
É especialmente sobre esses brasileiros que quero escrever neste blog, embora não exclusivamente. Há espaço para outros assuntos que me despertaram e ainda despertam meu interesse.
Optei por um blog porque nele posso escrever o tanto que quiser, sem me preocupar com um determinado número de páginas. Hoje escrevo algumas linhas, amanhã, outras tantas e por aí vai. Também não preciso começar com "era uma vez" nem seguir uma cronologia. Os escritos virão na medida das lembranças que guardo e de anotações que fiz e que estão espalhadas em pastas desorganizadas.
Espero ter alguns leitores e críticos. Que dentre eles estejam futuros jornalistas que hoje estão nas salas de aula das muitas faculdades espalhadas por aí, embora o diploma não seja mais exigência para o exercício da profissão. Mas voltará a ser em breve, espero. Espero, também, que um dia esses estudantes possam viver a instigante profissão de repórter que me levou a andar por aí.