quarta-feira, 7 de abril de 2010

Rádio: um pouco de história da pioneira (2)


No ar, os revolucionários de 1930
No dia 30 de outubro Getúlio Vargas chega ao Rio para assumir o governo, depois da vitória do movimento revolucionário que derrubou a Velha República. Na Avenida Rio Branco, no centro do Rio, a população carioca via curiosa, os cavalos dos revolucionários gaúchos amarrados no obelisco. Vargas fecha o Congresso e passa a governar com base em decretos-leis. Dois anos depois, São Paulo se rebela contra o poder central e exige a constitucionalização do país. É deflagrada uma guerra civil que encontra no rádio um grande aliado. Radialistas, como César Ladeira, na Rádio Record e Celso Guimarães, na Rádio Cruzeiro do Sul, usam os microfones para incentivar a presença do povo nos comícios e atrair voluntários para a frente de combate. A ”guerra paulista” durou quase três meses. Terminou com a vitória dos governistas. Já em 1933, o governo provisório decidiu constitucionalizar o país, realizando, em maio, eleições para a Assembléia Nacional Constituinte, que promulgou a Constituição em 14 de julho de 1934. Foi a partir da chamada Revolução de 1930 que o rádio ganhou impulso, tendo-se desenvolvido com a ampliação das relações capitalistas, especialmente a publicidade, que passou a ser uma das grandes aliadas do processo produtivo manipulando os desejos inconscientes da população. Em março de 1932, Getúlio Vargas assinara um decreto autorizando a veiculação de propaganda comercial pelas rádios, abrindo caminho para patrocinadores, os anúncios e jingles, acirrando a concorrência entre as emissoras e a briga pela audiência. Por isso, disputavam também os talentos artísticos, que passaram a receber cachês. Com o fim da “guerra paulista”, os locutores revolucionários foram contratados por duas das mais importantes rádios do Rio: Celso Guimarães, pela Nacional e César Ladeira, pela Mayrink Veiga, onde passou a empregar processos inéditos na programação. Deu novas dimensões ao rádioteatro, criando o grande e o pequeno teatro, além de ter dedicado horários específicos aos artistas de seu elenco, e deu a cada um deles um adjetivo consagrador, como o de "Garota Notável", para Carmem Miranda. Despertou o gosto dos ouvintes para a crônica, o editorial e o comentário, além de ter dividido a programação como quem pagina um jornal, situando cada especialidade em horários pré-estabelecidos. A presença de César Ladeira foi tão marcante, que muitos locutores tentaram imitá-lo. Criou um estilo de linguagem, ao perceber que a voz humana era o suporte para a comunicação objetiva. Embora fossem utilizados vários recursos acústicos, dava ênfase a determinados detalhes, impostando a voz e recorrendo a uma série de criações. O radialista Saint-Clair Lopes contou que os que se aproximassem ao estilo de César Ladeira, sentiam-se profissionais realizados. Saint-Clair Lopes foi advogado, jornalista, locutor, radioator, redator e diretor de programas, além de professor de Radiojornalismo na PUC-RJ. Foi também diretor do Departamento Jurídico da Rádio Nacional, da Divisão de Assuntos Legais da ABERT (Associação Brasileira de Rádio e Televisão) e autor do livro Nas ondas do rádio. Anos mais tarde, César Ladeira integrou a equipe da Rádio Nacional, que, a partir de 1940, torna-se líder de audiência do rádio brasileiro. A essa altura, os aparelhos já haviam barateado o que permitiu ao rádio assumir o papel de mais importante veículo de comunicação da época.

A resistência da pioneira
Enquanto as emissoras, como a Mayrink Veiga e a Nacional disputavam patrocinadores, desde a década de 1930, Roquette-Pinto continuava não admitindo propaganda em sua emissora; nem comercial, nem política. A Rádio Sociedade insistia em se manter apenas com a contribuição dos “sócios”, não tendo recursos para modernizar seu equipamento e ampliar a potência para enfrentar a concorrência das emissoras comerciais. Para tentar salvar a Rádio Sociedade, Roquette-Pinto decidiu doar a emissora ao então Ministério da Educação e Saúde, mas com uma condição: a de que a rádio permanecesse fiel ao seu lema cultural e educativo, sem qualquer vinculação comercial, política ou religiosa. Já transcorria o ano de 1936. Mais uma vez, 7 de setembro passa a ser um dia importante para a radiodifusão brasileira. A data foi escolhida para a cerimônia oficial de doação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro ao Ministério. Nascia assim, a atual Rádio MEC. Beatriz Roquette-Pinto Bojunga sempre acompanhou os passos do pai Roquette Pinto. E, como não poderia deixar de ser, ela também estava a seu lado na solenidade de doação da emissora, com tudo o que ela tinha em matéria de móveis e máquinas. Numa entrevista que deu ao no 25 do jornal O Amigo Ouvinte, Beatriz disse que foi ela, juntamente com Carlos Drummond de Andrade e Abgar Renaudt, na época oficiais de gabinete do Ministro Capanema, quem pôs os selos nos móveis. Nesse mesmo dia, diz ela, o pai fez um discurso que terminava assim: “Entrego esta Rádio, com a mesma emoção com que se casa uma filha”. “Depois disso”, lembra Beatriz, “ele veio chorar comigo num corredorzinho que tinha na Rua da Carioca”. A exemplo de Roquette-Pinto, Beatriz também tinha a convicção de que o rádio seria o instrumento capaz de tirar o país da penúria cultural que vivia. Acreditava e agia, tal como seu pai. Aliás, crer e agir foi, na opinião de Beatriz, a grande herança deixada por seu pai. Já aos 20 anos ela produzia e apresentava, na Rádio MEC, um programa infantil, que, de certa forma, abriu caminho para o gênero em outras emissoras de rádio, como o Tapete mágico, de Ilka Labarte, na Nacional, ou A hora do guri, da Rádio Tupi. Depois da morte de Roquette-Pinto, em 1954, Beatriz agiu feito guerreira, quando uma lei determinou que a rádio passaria para o Senado e a Câmara. Obstinada, sem medir esforços, a filha de Roquete Pinto foi à luta e conseguiu um Mandato de Segurança que manteve a rádio vinculada ao Ministério da Educação. Hoje, a emissora faz parte da Empresa Brasileira de Comunicação, criada para implantar e gerir os canais públicos de televisão e de rádio. Além da Rádio MEC, outras sete emissoras de rádio fazem parte da EBC e três canais de televisão (TV Brasil, TV Brasil, Canal Integración e NBR). Ela também é responsável pela produção da Voz do Brasil, além de prestar outros serviços.

Abrindo parênteses
Nos anos 40 Getúlio Vargas já havia se consolidado no poder, depois do Golpe de 1937, quando outorgou a Constituição. Um detalhe importante: na noite do dia 10 de novembro de 1937, Getúlio Vargas anunciou, pelo rádio, a Constituição de 1937, que instituiu o Estado Novo, escrita pelo político mineiro Francisco Campos. Na época, o rádio já se firmara como veículo a ocupar lugar hegemônico, especialmente a Rádio Nacional, que foi preparada para esta hegemonia. Fundada em 12 de setembro de 1936, a Nacional acabou tornando-se um marco do rádio brasileiro. Pertencia à empresa A Noite, mas em 1940 o governo a encampou para ser um instrumento de afirmação do regime. A PRE-8 passou então às Empresas Incorporadas à União. Hoje, a emissora é também vinculada à Empresa Brasileira de Comunicação. No plano interno, a fundação da Rádio Nacional coincide com o esgotamento da fase pioneira do rádio, em que se pretendeu usá-lo como instrumento para educar o povo, no sentido escolar da palavra. Esse, pelo menos, era o sonho de Roquette-Pinto, que acreditava poder acabar com o analfabetismo no país (é dele a frase: “o cinema e o rádio no Brasil serão a escola dos que não tiveram escola”). No plano internacional, a Rádio Nacional, que logo se transformou num instrumento do Estado Novo, surgia quando o nazismo utilizava o rádio como principal veículo de propaganda e controle social. Isto não significa que o rádio do Estado Novo, no Brasil, buscou no rádio alemão da época um modelo de programação. O modelo, especialmente da Rádio Nacional, estava mais para o norte-americano. Quem assistiu ao filme A Era do Rádio, de Woody Allen, pode avaliar o que foi a programação da Rádio Nacional. O radialista Lourival Marques, ex-diretor da Rádio Nacional, disse-me que diversos programas da emissora foram inspirados (para não dizer copiados) em rádios americanas (exceção feita às novelas, que eram de origem cubana). A ligação do rádio da época ao rádio norte-americano talvez encontre uma explicação na vitoriosa manipulação política da ideologia do pan-americanismo, no âmbito da política da boa vizinhança que teve por conseqüência a intensificação das relações culturais entre os EUA e o Brasil. O que importa, no caso, é que não foi difícil para a Rádio Nacional, com sua ideologia populista, ajustar-se ao discurso do poder. Aliás, a ideologia populista predominava, de maneira geral, no rádio da época. Essa manipulação traduzia-se na criação do Zé Carioca, por Walt Disney, em seu filme Alô, amigos e no incentivo à carreira de Carmen Miranda e do Bando da Lua, em Hollywood. Ari Barroso é contratado para escrever música para o cinema e Orson Welles vem ao Rio para rodar o sonho brasileiro no inacabado filme It!s all true. Em troca, o rádio brasileiro passa a assimilar técnicas norte-americanas. Primeiro, na linguagem publicitária e na comercialização de programas, Depois, no noticiário radiofônico, com o surgimento, na Rádio Nacional, do Repórter Esso. A primeira transmissão data de agosto de 1941. O rádiojornal, patrocinado pela Standard Oil, era produzido pela McCann-Erickson e tinha como fonte de notícias a United Press International (UPI). Transmitir os feitos dos aliados no conflito mundial, possivelmente, era uma forma de justificar a entrada do Brasil na guerra. A Rádio Nacional, sem dúvida, foi a maior experiência radiofônica já feita no Brasil. Ocupou lugar equivalente ao da TV Globo de hoje, com uma diferença. A TV Globo de hoje é acima de tudo um instrumento ideológico “classemedista”, com tudo que isto pode representar: urbanização, modernização, tecnocracia, cosmopolitismo; projeto de exclusão dos que vivem à margem do processo produtivo. Já o projeto da Rádio Nacional era de inclusão, que pode, por hipótese, ser explicado pelo conceito de integração nacional pretendida pelo Estado Novo, no qual se pode identificar a busca de uma “identidade nacional”. Nesse espírito, os trabalhadores recém-incorporados ao meio urbano eram tema, por exemplo, da série Tancredo e Tancrado. Nesse caso, o chiste inocente pode ser entendido como uma forma de aceitação do próximo, conforme aponta Freud. A estratégia de minimizar as contradições, não só de classes e entre regiões, mas também entre jovens e velhos, atendia eficazmente ao populismo. Estimulava a “consciência inclusiva”, sem deixar de atender ao consumismo, que a difusão da economia de mercado estimulava. Uma questão importante, no entanto, dever ser considerada quando se fala do rádio no Estado Novo: a censura, que implica instituir normas de controle social. No Brasil, a instituição dessas normas data de 1930, embora a censura tenha sido mais rigorosa no período de 1937 a 1945. Era exercida pela Seção de Rádio do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), criado em 1939, responsável também pela produção de A hora do Brasil, programa que ia ao ar em cadeia nacional, com transmissão obrigatória, já antes de 1937, mas que foi ampliado para duas horas de duração. Essa prática mostra a consciência que o Estado tinha da importância do rádio. Mas, apesar de a Rádio Nacional pertencer à União, não se tem notícias de que o governo de Vargas fizesse explicitamente uso regular da Rádio Nacional para fins de propaganda. Sempre usou transmissões em cadeia para todo país. Até por isso, pode-se concluir que a Rádio Nacional não era uma rádio de Governo, mas de Estado. Tanto que ela não saiu do ar com a queda de Getúlio Vargas. Nem A hora do Brasil . Seu nome foi mudado para A voz do Brasil passando a ter uma hora de duração. O caso da Rádio Nacional e da Voz do Brasil, está ligado à questão da durabilidade do Estado. Do Estado que não muda com a mudança de governo e nem de regime. Do Estado que continua.

De volta à pioneira
A Rádio MEC também não escapou da censura imposta pelo DIP. Nenhuma emissora foi poupada. Todas, sem exceção, tinham seus programas controlados pelo órgão. A censura era, inclusive, justificada pelos intelectuais do poder e tinha seu movimento divulgado pela Revista de Cultura Política. Só em janeiro de 1943, por exemplo, foram censurados 1312 programas radiofônicos. Em fevereiro do mesmo ano, foram censurados, pela Seção de Rádio do DIP, um total de 1.246 programas. Chegou a proibir a execução de músicas de Tschaikowski, Stravisnki e outros compositores russos, porque “russo era comunista e comunista, não pode”. Assim foi durante o Estado Novo e assim voltou a ser depois do Golpe de 1964, que derrubou o governo de João Goulart e impôs a ditadura militar que durou até o final do governo de João Figueiredo (1985). Com a ditadura vieram as punições extralegais, como cassações, demissões e expulsões. Uma das atingidas pelo arbítrio foi a ex-diretora da Rádio MEC, Maria Yedda Linhares, catedrática de História Moderna e Contemporânea da Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro, da qual é hoje professora emérita. Sua sala foi tomada de assalto pelo também professor de história Eremildo Luiz Viana, na época, diretor da Faculdade Nacional de Filosofia. Esse fato foi amplamente noticiado e comentado por grandes jornalistas como Carlos Heitor Cony, Mocyr Werneck de Castro, Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta. Denunciada por Eremildo Vianna, foi cassada pelo AI-5, sem acusações formais, apenas por acreditar que seria possível acabar com as oligarquias e pôr em prática as reformas necessárias capazes de dar acesso à terra, ao trabalho, à educação e à cultura. Seus ideais e sua breve passagem, de nove meses, pela Rádio MEC, renderam-lhe oito inquéritos policiais militares, três prisões, aposentadoria pelo AI-5 e exílio de seis anos, na França. Lá, o governo francês a nomeou professora titular visitante (professeus associé).
Uma vez, líder de audiência
1963 marca a volta do presidencialismo ao País, após breve fase de regime parlamentarista, instituído por Emenda Constitucional aprovada pelo Congresso em novembro de 1961, como fórmula de garantir a posse do vice-presidente João Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros. 1963 assiste, também, a diversas manifestações de protesto e a sucessivas greves de diferentes categorias profissionais. Em novembro daquele ano, radialistas e profissionais de televisão do Rio cruzaram os braços. No dia 22, quando o presidente norte-americano John Kennedy foi assassinado em Dallas, no Texas, apenas a Rádio MEC estava no ar e pôde comprovar a eficiência de sua equipe. Ligados apenas a um terminal de teletipo da France Press, os jornalistas da rádio MEC transmitiram ao longo de 24 horas consecutivas informações e comentários, seguindo um novo estilo de jornalismo, mais didático, despojado de jargões, explicativo e, de fato, informativo. A receita era simples: notícias claras, bem apuradas e bem redigidas. Já não havia mais espaço para um noticiário que se limitava a repetir os outros ou a ler telegramas de agências de notícias. Naquele dia 22 de novembro de 1963, a Rádio MEC conquistou 100% de audiência, episódio que a professora Maria Yedda Linhares, na época diretora da rádio, guarda na memória com orgulho. O episódio é um exemplo de como determinação e dedicação podem suprir a falta de recursos materiais.

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