terça-feira, 19 de abril de 2011

Maralto, de Luiz Carlos de Souza, é exemplo raro de jornalismo literário



Luiz Carlos de Souza é jornalista, escritor, poeta e músico. Na noite do dia 12de abril, na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), cercado de amigos, Luiz Carlos lançou a segunda edição do livro Maralto: relato de uma pesca perigosa, editado pela Booklink Publicações.
Muito mais do que um relato de uma pesca perigosa, Maralto é exemplo de um gênero – o livro-reportagem - que poucos jornalistas puderam e podem experimentar. Ele o fez ainda jovem, aos 27 anos de idade, numa época (nos anos de 1970) em que o jornalismo foi marcado pela ausência da reportagem. O que se lia nos jornais eram notícias e matérias transcritas quase que na íntegra dos press-releases oficiais. Nas escolas de comunicação, pregava-se a objetividade e neutralidade do jornalismo, e a fronteira entre jornalista e escritor era bem demarcada. Luiz Carlos transgrediu as regras. Observando os barcos de pesca ancorados na Praça Quinze, no Rio de Janeiro, durante suas idas e vindas à sucursal do Jornal do Brasil em Niterói, ousou acompanhar, do início ao fim, a bordo de uma traineira, o trabalho árduo dos pescadores de linha, expostos, durante dias infindáveis (de 17 de agosto a 11 de setembro de 1972), aos perigos do alto-mar em seus minúsculos caíques, a 400 milhas (740 km) da costa de Vitória, no Espírito Santo. Seu companheiro de trabalho, o fotógrafo Almir Veiga, também estava lá, “clicando” tudo em preto e branco. São dele as fotos que ilustram a capa e a contracapa do livro. O resultado é MARALTO, uma narrativa rica e detalhada que reflete o drama de uma categoria profissional presa a normas peculiares de relações de trabalho; não há lei que a protege.
Na neutralidade exigida do repórter, Luiz Carlos expôs sua parcialidade em cada palavra escrita sobre os temores, a solidão, os amores e desamores, a saudade e a coragem daqueles homens do mar. Revela a determinação e o interesse em tornar pública a luta diária dos trabalhadores do mar até hoje submetidos à exploração do homem pelo homem, embora todos estejam, ao fim do dia, no mesmo barco e exista uma camaradagem imensa entre todos, como escreveu o autor. E, Luiz Carlos não teve medo de expor suas próprias emoções ao testemunhar o pulsar dos acontecimentos na aventura diária vivida por homens que, do fundo do mar, tiram o sustento de suas famílias. Ele o fez com muita competência. Militante da mais instigante de todas as profissões – o jornalismo - no dizer da jornalista e escritora Cláudia Werneck, Luiz Carlos expôs o seu prazer de conhecer gente de seu país, e exercitou o que o professor Edvaldo Pereira Lima, doutor em Ciências da Comunicação e professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, chama de Jornalismo Literário Avançado, “uma proposta diferenciada, que recupera a grande reportagem, lançando-a a novos patamares em busca de excelência no diálogo com o leitor”. Maralto, é um exemplo desse diálogo: o leitor tem a impressão de estar participando daquela viagem e vivenciando, ao lado de Luiz Carlos, a luta diária dos pescadores profissionais.
Tão logo retornou do mar, Luiz Carlos publicou uma série de quatro reportagens no Jornal do Brasil. Em 1976 MARALTO foi publicado. Mas o livro continua sendo atual. De lá para cá, nada mudou na pesca de linha. Apenas uma novidade: os caíques estão hoje equipados com rádios que se comunicam com o barco-mãe. Isso ajuda quando um pescador está perdido.
Que este livro seja lido também por estudantes de jornalismo. Além de aprenderem um pouco mais sobre a realidade brasileira, em Maralto eles terão um raro exemplo de livro-reportagem.

sábado, 9 de abril de 2011

O sapato apertado

O avião acabara de levantar vôo do Galeão, no Rio de Janeiro. Seu destino: Porto Alegre. Um dos passageiros, Luiz, não aguentava mais a dor nos pés. Tudo por causa de um par de sapatos novos. Aliás, sempre foi assim, há mais de quarenta anos. Cada sapato novo, uma nova dor. Por isso, não gostava de comprar sapatos. Para Luiz, nada melhor do que sapatos velhos já alargados de tanto andar.
Os sapatos que machucavam seus pés dentro daquele avião tinham sido comprados na tarde do dia anterior, depois de ter ido ao barbeiro. Queria se apresentar bem vestido e calçado, com cabelos cortados e barba feita na conferência que iria proferir durante um simpósio sobre o Estado Novo, no Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
O avião posou no Aeroporto Salgado Filho na hora prevista. Como a conferência estava marcada para as 3 horas da tarde, Luiz pensou em aproveitar a manhã para colocar a conversa em dia com seu grande amigo Dilson, jornalista e historiador, e que também participaria do simpósio. Por isso, foi até o apartamento dele na Avenida Independência. Fazia tempo que os dois não se encontravam. Falavam muito por telefone. Eram ligações intermináveis, durante as quais assuntavam sobre política, futebol, literatura, cinema e amigos comuns.
No aeroporto, Luiz pegou um táxi. Os pés continuavam doendo. A essa altura seus calcanhares já estavam com bolhas. Do táxi até a entrada do prédio foi uma tortura andar. Não precisou esperar muito pelo elevador. Luiz saltou no 14o andar e tocou a campainha no apartamento 1403, Dílson não demorou a abrir a porta e, depois do abraço de boas-vindas, Luiz foi logo reclamando dos sapatos que apertavam.
− Se os sapatos apertam tanto, vamos comprar um novo par − sugeriu Dílson −, tentando solucionar rapidamente o problema do amigo.
E lá foram os dois a uma sapataria. Não tiveram de andar muito, embora Luiz estivesse se arrastando rua acima.
Na sapataria, escolheu um sapato preto, parecido com o que usava. O vendedor, depois de ouvir os lamentos do professor, perguntou que número calçava.
− Trinta e nove – disse o freguês machucado.
Minutos depois, o vendedor voltou com duas caixas; abaixou-se e ajudou Luiz a experimentar o sapato novo.
− Engraçado, esse também aperta – disse Luiz. Até meu pé se ajustar vai demorar de novo.
O vendedor, calmamente, abriu a outra caixa e dela tirou um novo sapato. Mais uma vez abaixou-se e ajudou Luiz a calçá-lo.
− E esse, professor, também aperta?
Luiz levantou da cadeira, deu alguns passos e espantado disse:.
− Gozado, é a primeira vez que calço um sapato novo que não dói.
− É porque o senhor não calça 39.
− Como não?
− O senhor calça 40.
− Mas meu pai sempre me disse que eu calçava 39.