sábado, 9 de abril de 2011

O sapato apertado

O avião acabara de levantar vôo do Galeão, no Rio de Janeiro. Seu destino: Porto Alegre. Um dos passageiros, Luiz, não aguentava mais a dor nos pés. Tudo por causa de um par de sapatos novos. Aliás, sempre foi assim, há mais de quarenta anos. Cada sapato novo, uma nova dor. Por isso, não gostava de comprar sapatos. Para Luiz, nada melhor do que sapatos velhos já alargados de tanto andar.
Os sapatos que machucavam seus pés dentro daquele avião tinham sido comprados na tarde do dia anterior, depois de ter ido ao barbeiro. Queria se apresentar bem vestido e calçado, com cabelos cortados e barba feita na conferência que iria proferir durante um simpósio sobre o Estado Novo, no Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
O avião posou no Aeroporto Salgado Filho na hora prevista. Como a conferência estava marcada para as 3 horas da tarde, Luiz pensou em aproveitar a manhã para colocar a conversa em dia com seu grande amigo Dilson, jornalista e historiador, e que também participaria do simpósio. Por isso, foi até o apartamento dele na Avenida Independência. Fazia tempo que os dois não se encontravam. Falavam muito por telefone. Eram ligações intermináveis, durante as quais assuntavam sobre política, futebol, literatura, cinema e amigos comuns.
No aeroporto, Luiz pegou um táxi. Os pés continuavam doendo. A essa altura seus calcanhares já estavam com bolhas. Do táxi até a entrada do prédio foi uma tortura andar. Não precisou esperar muito pelo elevador. Luiz saltou no 14o andar e tocou a campainha no apartamento 1403, Dílson não demorou a abrir a porta e, depois do abraço de boas-vindas, Luiz foi logo reclamando dos sapatos que apertavam.
− Se os sapatos apertam tanto, vamos comprar um novo par − sugeriu Dílson −, tentando solucionar rapidamente o problema do amigo.
E lá foram os dois a uma sapataria. Não tiveram de andar muito, embora Luiz estivesse se arrastando rua acima.
Na sapataria, escolheu um sapato preto, parecido com o que usava. O vendedor, depois de ouvir os lamentos do professor, perguntou que número calçava.
− Trinta e nove – disse o freguês machucado.
Minutos depois, o vendedor voltou com duas caixas; abaixou-se e ajudou Luiz a experimentar o sapato novo.
− Engraçado, esse também aperta – disse Luiz. Até meu pé se ajustar vai demorar de novo.
O vendedor, calmamente, abriu a outra caixa e dela tirou um novo sapato. Mais uma vez abaixou-se e ajudou Luiz a calçá-lo.
− E esse, professor, também aperta?
Luiz levantou da cadeira, deu alguns passos e espantado disse:.
− Gozado, é a primeira vez que calço um sapato novo que não dói.
− É porque o senhor não calça 39.
− Como não?
− O senhor calça 40.
− Mas meu pai sempre me disse que eu calçava 39.

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