segunda-feira, 26 de abril de 2010

Ciência, rádio e TV



A mais útil das ciências será aquela cujo
fruto seja mais comunicável.
Leonardo da Vinci
Tratado de Pintura

Fatos jornalísticos relacionados a atividades científicas já encontram espaço no rádio e na TV. Temos vários exemplos: a reconstituição do crânio de Luzia, a brasileira pré-histórica; clonagem; a utilização de células tronco para fins terapêuticos; a discussão em torno dos transgênicos; a descoberta de uma nova estrela ou de um crânio de crocodilo que viveu no Brasil há 135 milhões de anos.
Nesse sentido, temos avançado bastante, embora ainda predominem na nossa imprensa assuntos internacionais ou aqueles considerados sensacionalistas, sempre valorizando o exótico ou o original. Nesses casos, o cientista geralmente é mostrado como uma criatura especial, ou é absolutamente esquecido.
Mas o público brasileiro ainda é escassamente informado sobre o mundo da ciência, desconhecendo as atividades de nossos pesquisadores e das instituições em que desenvolvem suas atividade. Esse público ignora o processo de construção do conhecimento, nos meios universitários e nas demais instituições de pesquisa. É aí que entra em cena a divulgação da ciência, que pode e deve ocupar espaço nobre no rádio, e na televisão, também. No Brasil, a mídia, em especial o rádio e a TV, assume importância na formação, não só de opinião, mas também de hábitos, costumes, comportamentos, a ponto de falarmos hoje na chamada sociedade midiática.
Como em nosso país a pobreza impossibilita, não apenas o acesso a bens materiais, mas também à cultura e ao saber, o rádio e a TV vêm se afirmando, cada vez mais, como instrumentos transmissores de informação. E, como a informação e a transmissão do conhecimento são partes de um processo educativo, defendemos o princípio de que jornalistas, radialistas, produtores de TV, pedagogos e professores devem se aliar em um projeto que contemple a formação continuada do cidadão. Só uma pessoa bem informada é capaz de exercer conscientemente a sua cidadania. Nesse sentido, é bom lembrar que rádio e televisão são concessões públicas e, assim sendo, devem assumir compromissos com a coisa pública. E, a informação, no seu sentido mais amplo, é parte desse compromisso. É bom lembrar, também, que o artigo 5o da Constituição Brasileira assegura a todos o acesso à informação. Num país como o nosso, em que predomina a pouca informação, que meios são mais adequados para levar informação a milhões de pessoas senão o rádio e a televisão? E, dentre ambos, o rádio ainda é o mais popular meio de comunicação e de maior alcance público. Atinge a todos, sem distinção de escolaridade, classe social ou condição econômica. Fala a todos individualmente, acompanha o ouvinte no carro, na cozinha, na sala, na praia ou no local de trabalho.

Televisão X rádio
A produção de programas de divulgação científica em televisão é cara. Requer tempo de preparação. Exige apuração cuidadosa da matéria, consultoria, maior apuro e rigor dos apoios visuais, ainda mais hoje em dia, com o público cada vez mais acostumado a ver recursos visuais sofisticados. Fazer um programa de divulgação científica sem utilizar recursos visuais e sonoros, limitado a uma conversa em estúdio, é até fácil. Mas não há público que aguente.
Difícil é criar e desenvolver formatos que sejam dinâmicos, leves, instigantes, que despertem a curiosidade do telespectador.
A produção de programas de divulgação científica em rádio é bem mais barata, porque dispensa a imagem. Mas o rádio trabalha com o imaginário das pessoas, para compensar a ausência dos recursos visuais. Mas, para que o ouvinte possa “visualizar” o que está sendo dito a ele, é preciso igualmente encontrar formatos que tornem o programa atraente. Afinal, o cérebro traduz sons e sentimentos. A linguagem radiofônica é, na sua essência, uma linguagem que fala aos sentimentos, aos sentidos: afetos, emoções, dor, ternura, esperança, angústia. Se um programa de rádio faz rir ou chorar, está num bom caminho. Se provoca fúria (não pela qualidade do programa, mas pelo conteúdo que está transmitindo) também vale. Mas se não move nem comove, se deixa o ouvido frio, não é radiofônico. Falar pelo rádio, é emocionar. Caso contrário, a mensagem não chega, não causa impacto.
Eu gostaria de propor um exercício, uma experiência. Assistam a um filme ou a um programa de televisão e tirem o seu volume. A fotografia pode ser boa, impactante, a atuação excelente. Mas a falta de som torna a transmissão fria. Mas, se fizermos ao contrário: vamos apagar a imagem e deixar apenas o som. Vamos ouvir os diálogos, a música, o ambiente. Mesmo sem a imagem a nossa recepção será muito mais emotiva. Essa é a força do rádio, sua grande característica. Além do mais, ele fala a cada um em particular, como um grande amigo. Foi a contribuição que o transistor trouxe. De veículo coletivizante, passou a veículo individualizante. Deixou a sala, onde falava para a família, e passou a falar a todos individualmente. Acompanha o ouvinte no carro, na cozinha, no quarto, na praia ou no local de trabalho. Atinge a todos sem distinção de escolaridade, classe social ou condição econômica. No Brasil, é sem dúvida o mais popular meio de comunicação e o de maior alcance público.

E por falar em ciência: uma experiência radiofônica
Em 1990, no Departamento de Comunicação da Universidade Federal Fluminense, propus aos meus alunos um projeto sistemático de produção de programas radiofônicos no âmbito do jornalismo científico. Eu dava aulas de jornalismo científico e rádiojornalismo. Juntei alunos das duas turmas e começamos a produzir programas. Durante dois anos, o trabalho foi fácil. Com a ajuda do então professor Luiz Alberto Sanz, conseguimos espaço na Rádio MEC, fruto de um convênio assinado entre a emissora e a UFF. Decisiva também foi a colaboração dos professores Antônio Serra e José Maurício Alvarez. Cinco dos nossos alunos receberam bolsa de iniciação científica da FAPERJ. Mas, todos que participavam, faziam pesquisa, apuração, produção, reportagem, redação e edição das matérias, além da sonorização, que sempre mereceu um tratamento bastante criterioso. Eu acompanhava e orientava todas as etapas.
Optamos pelo formato radiodocumentário, trabalhando com temas ligados aos mais diversos setores das ciências, desde a ciência da saúde até as ciências humanas, passando pela física, engenharia, química, biologia e tantas outras que têm contribuído para o desenvolvimento científico e tecnológico do país. A lista era imensa e prova que, ao contrário dos que querem desmantelar a universidade brasileira, acusando-a de inoperante e improdutiva, é dela que saem profissionais criativos e competentes, dignos do maior respeito e merecedores do reconhecimento internacional. Não queríamos apenas mostrar o que os cientistas fazem. Queríamos, também, mostrar que a ciência faz parte do nosso dia-a-dia e é uma aliada para solução de problemas de uma sociedade. Embora, seus resultados nem sempre possam trazer benefícios a todos.

O respeito às culturas regionais e locais
Num país de dimensões como o Brasil, com características regionais muito marcantes e variadas, a ciência tem, no rádio, um grande aliado. As emissoras locais e regionais encontram um vasto campo a ser explorado, principalmente nas áreas da saúde, da nutrição, da agricultura, do meio-ambiente. Nas universidades locais, os programas de pesquisa científica podem servir de pauta para programas de rádio. Além de contribuir para divulgar o que está sendo feito pelos nossos pesquisadores, esses programas estariam contribuindo para diminuir a distância cultural imposta à maioria da população brasileira, relegada à exclusão do saber por uma elite que se outorgou o direito de deter o saber.

O Estado e as rádios públicas
Embora a esmagadora maioria das emissoras de rádio seja explorada pela iniciativa privada, por concessão do Estado, há no Brasil, as chamadas emissoras públicas, como as rádios Nacional e MEC, no Rio de Janeiro. Não se trata de emissoras governamentais, nem estatais, embora estejam ligadas ao Estado, que não muda com a troca de governo e nem de regime; ao Estado que continua. Historicamente, também cabe ao Estado, no Brasil, o fomento da pesquisa científica, de maneira geral, e do desenvolvimento tecnológico em determinadas áreas, especialmente as consideradas estratégicas. Mas pouco tem sido feito no sentido de se utilizar essas e outras emissoras como aliadas na divulgação do conhecimento científico; não como veículos de propaganda, mas de divulgação de informações. A sociedade sendo a grande mantenedora desse sistema, por intermédio dos impostos que paga, deve ter o direito de conhecer os resultados de seus investimentos.

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