terça-feira, 6 de abril de 2010

Rádio: um pouco de história da pioneira (1)


Você pode ouvir rádio em casa, no trabalho, no carro, almoçando, jantando, tomando banho, andando a pé, indo ao banheiro, estudando, praticando esporte, fazendo amor.
Será que você pode ver TV em todos esses momentos? Será que você pode ler jornal em todos esses momentos?
Argumento publicitário da Rede Riograndense de Emissoras, em 1976.


Em 1922 o País assistia à Semana de Arte Moderna, à Revolta dos Tenentes e à fundação do Partido Comunista. Eram sintomas de anseio de mudanças no Brasil, que, na época, ainda se encontrava sob o regime da Velha República oligárquica. Os brasileiros viviam então (de 1922 a 1926) sob estado de sítio imposto por Artur Bernardes, tentando evitar a formação de uma nova oposição.
As indústrias brasileiras prosperavam. A explicação está na Primeira Guerra Mundial que nos impediu importar artigos manufaturados. Assim, o Brasil passou a produzi-los, criando novas indústrias e aumentando a capacidade de produção das já existentes. Com o crescimento industrial veio o crescimento do operariado e de suas reivindicações salariais, redução da jornada de trabalho e assistência social. O grande número de imigrantes europeus entre os operários permitiu a rápida organização de partidos políticos operários, de inspiração anarquista, socialista e comunista.
Na época, o Rio de Janeiro, então capital da República, tinha cerca de um milhão de habitantes. A cidade se expandia tanto para a zona sul como para os subúrbios. O centro, desde as reformas do início do século, deixava de ser área de ocupação popular. Os cortiços davam lugar ao comércio e à pequena indústria. O centro começava a ser cortado por enormes avenidas, a exemplo da Avenida Central, hoje Rio Branco. A Rua do Ouvidor, que continuava estreita como antes, era a grande atração para as elites que, nas lojas e livrarias chiques, adquiriam as últimas novidades. Pelas ruas do Rio já circulavam automóveis, que dividiam as vias públicas com os bondes. O velho morro do Castelo foi parcialmente posto abaixo. A justificativa do desmonte foi a necessidade de saneamento da cidade. Sanitaristas argumentavam que o morro impedia a ventilação e era responsável por enchentes no Centro. Em seu lugar deveria surgir uma planície civilizada.
Foi essa planície que serviu de cenário à primeira grande exposição internacional do pós-guerra em comemoração ao Centenário da nossa Independência. O Brasil mostraria ao mundo um novo país e o mundo mostraria ao Brasil as últimas novidades no campo do desenvolvimento técnico.
No pavilhão dos Estados Unidos, a Westinghouse, a Western Electric Company e a Rio de Janeiro and São Paulo Telephone Company instalaram duas estações de 500 watts, com transmissores montados no alto do Corcovado e na Praia Vermelha. Era o rádio se apresentando no Brasil. Sua primeira transmissão foi o discurso do presidente Epitácio Pessoa inaugurando a exposição tendo a seu lado, o Rei Alberto da Bélgica. Para a ocasião, 80 receptores haviam sido especialmente importados para que uma parcela da elite carioca pudesse ouvir em casa o discurso. No local da exposição, foram instalados alguns alto-falantes, com o mesmo fim. A transmissão também pode ser ouvida em Niterói, Petrópolis e São Paulo. Naquela mesma noite, os visitantes da exposição tiveram uma surpresa: ouviram a ópera O guarany, de Carlos Gomes, que estava sendo encenada no Teatro Municipal. Apesar do grande impacto dessa demonstração pública, as transmissões foram encerradas alguns dias depois. Detalhes dessa primeira experiência radiofônica no Brasil estão no livro Bastidores do rádio, de Renato Murce, que durante mais de 50 anos atuou no rádio brasileiro. Ele estava lá na exposição, assistindo a tudo naquele 7 de setembro de 1922.
A Westinghouse acabou desmontando a estação do Corcovado. A Western manteve a sua na Praia Vermelha, esperando que o governo brasileiro fosse comprá-la. E comprou; só que a entregou aos Correios onde passou a ser operada como telégrafo.
Um ano depois...
20 de abril de 1923. Na sala de física da Escola Politécnia, no Largo São Francisco, onde hoje funciona o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em plena reunião da Academia Brasileira de Ciências, o antropólogo e educador Edgar Roquette-Pinto, Henrique Morize e vários membros da Academia fundaram a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, emissora de cunho educativo, “com fins científicos e sociais”, como queria o seu fundador. A primeira transmissão da emissora, ainda experimental, se realizou a 1o de maio, com equipamento emprestado da Praia Vermelha. Roquette-Pinto disse na ocasião: “a partir de agora, todos os lares espalhados pelo imenso território do Brasil receberão livremente o conforto moral da ciência e da arte pelo milagre das ondas misteriosas que transportam, silenciosamente, no espaço, as harmonias”. Mas ainda havia um obstáculo a ser enfrentado: a lei que proibia a atividade radiofônica. Ela fora promulgada ao final da Primeira Grande Guerra, porque se temia que pelas ondas do rádio os segredos militares brasileiros poderiam ser levados para as potências estrangeiras.
Na época, a prática do radioamadorismo já existia no País, mas quem quisesse possuir um receptor em casa, precisava de uma autorização especial dos Correios e Telégrafos. Quem ouvisse aparelhos desautorizados corria o risco de ser preso. Com muita habilidade, Roquette-Pinto tinha indicado para presidente de honra da Rádio Sociedade o próprio ministro da Viação e Obras Públicas, Francisco Sá. Rendendo-se às pressões dos acadêmicos e ao argumento de Roquette de que o rádio no Brasil serviria para difundir educação, Francisco Sá revogou a lei no dia 11 de maio. Estava aberto o caminho para o livre exercício da radiodifusão. No dia 19, a Rádio Sociedade mais uma vez entrou no ar com o equipamento emprestado dos Correios. A transmissão teve início com a leitura, por Edgard Sussekind de Mendonça, do soneto O raio, de autoria de Roquette-Pinto. Em artigo publicado na revista especial dos 60 anos da Rádio MEC, intitulado O homem multidão, o escritor Ruy Castro, lembra que se trata de um soneto simbólico: o raio viaja pelo espaço e vai cair sabe-se onde – como o rádio. Depois, Heloisa Alberto Torres, leu um conto infantil de Monteiro Lobato e, em seguida Francisco Venâncio Filho leu uma página de Os sertões.
Entusiasmado com o resultado da novidade que ajudara a fundar, M.B. Astrada, um dos sócios da Rádio Sociedade, doou um equipamento para dar continuidade às atividades da emissora. Era uma estação pequena de 10 watts, com alcance restrito ao centro da cidade e arredores.
Três meses depois, o governo federal autorizou, oficialmente, o início das transmissões radiofônicas no Brasil, desde que “para fins educativos”. A Rádio Sociedade recebeu permissão para fazer uma hipoteca do material emissor no Banco do Brasil para instalar a antena e cobrir as primeiras despesas. Com isso, adquiriu uma estação de um quilowatt, fornecida pela Marconi, que permitia ultrapassar os limites do então Distrito Federal.

Cientistas: os primeiros radialistas brasileiros
Oficialmente, a Rádio Sociedade entrou no ar no dia 7 de setembro de 1923, um ano depois da inauguração da Exposição Centenária. Começou funcionando no pavilhão doado pela Tchecoslováquia, na Rua Santa Luzia, em frente à Santa Casa de Misericórdia, mudando em 1925 para a Rua da Carioca, 45. Sua programação, a princípio era uma extensão da Academia Brasileira de Ciências, Os acadêmicos produziam, escreviam e apresentavam os programas. Assim, pode-se dizer que os cientistas foram os primeiros radialistas brasileiros, ainda que amadores. Roquette-Pinto, por exemplo, apresentava o Jornal da Manhã. Lia e comentava notícias que ele selecionava nos jornais. Outros tocavam discos de suas coleções particulares. Falavam dos compositores, músicos e cantores. Havia também os que usavam o microfone para dar palestras e cursos, de acordo com suas especialidades. A Rádio Sociedade do Rio de Janeiro atendia, assim, aos anseios daquele pequeno grupo de cientistas, que fundou a Academia e que defendia a difusão ampla da ciência no Brasil, como relata a jornalista Luisa Massarani, em sua dissertação de Mestrado, defendida no IBICT-ECO/UFRJ, no Rio de Janeiro, em janeiro de 1998, intitulada A divulgação científica no Rio de Janeiro: algumas reflexões sobre a década de 20. Por ser capital da República, o Rio de Janeiro recebia inúmeras personalidades das áreas cultural e científica, que incluíam em seus programas uma visita às instalações da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Na lista dos visitantes ilustres da emissora, figura Albert Einstein, que, em 1925, esteve no Rio.
Não demorou muito para que novas rádios surgissem em todo o país. Só no Rio de Janeiro, destacam-se, entre as mais importantes: Mayrink Veiga, Guanabara, Jornal do Brasil, Tupi e Nacional.

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